Sobre a guerra e a crise
Luís Carapinha*
O imperialismo tem a violência (económica, social, militar, ideológica) na sua própria natureza. E a potência imperialista hegemónica - tenha Clinton, Bush ou Obama como primeira figura - não cessa de acrescentar novas agressões contra os povos àquelas que já tinha em curso. Num contexto de aguda crise do capitalismo é ainda mais necessário reforçar o alerta: até onde irá o imperialismo na sua escalada de guerra?
Prossegue a guerra de agressão contra a Líbia protagonizada por um conjunto de potências com os EUA à cabeça. Como era previsível, desde que a 17 de Março o Conselho de Segurança (CS) da ONU aprovou o vergonhoso mandato de intervenção, a «zona de exclusão aérea» tornou-se no cavalo de Tróia de uma guerra terrorista e espoliadora que tem como alvo a soberania nacional e integridade territorial líbias. Dos 15 membros do CS nenhum se opôs à guerra, incluindo dois dos cinco países com poder de veto, a Rússia e a China, que optaram pela abstenção. Um dos 10 estados que votaram a favor de uma resolução que num farisaísmo intolerável proclama como objectivo supremo a «protecção dos civis» foi a Colômbia, precisamente um dos regimes com mais sinistro registo em matéria de direitos humanos.
Anteriormente, o CS já evidenciara uma celeridade recorde ao endossar o mais que duvidoso dossier líbio para esse fantasma que dá pelo nome de TPI, protótipo de um aparelho supranacional de (in)justiça de classe, do qual, por precaução e em suprema hipocrisia, nem sequer os próprios EUA são subscritores…
Em todo este processo, em que a moral e a ética desceram ao nível do subsolo e a Carta das Nações Unidas foi lançada à imundície, o secretário-geral da ONU esteve ao nível do seu perfil, como facilitador e colaborador diligente de mais esta empreitada imperialista.
Ao olhar os ecrãs televisivos e folhear as páginas da imprensa dos meios da comunicação social dominante não se encontram os sinais da devastação de uma guerra pérfida que não poupa civis e destrói metodicamente infra-estruturas económicas da Líbia. Os propósitos reaccionários e neocoloniais da presente campanha convertem-se em tabu e o escandaloso e descarado saque das reservas soberanas e activos do Estado líbio perde-se nas entrelinhas. Dia após dia correm as imagens caóticas dos bandos armados exultantes, sobre os quais já não é possível esconder serem «incapazes de ganhar terreno sem o apoio crucial dos bombardeamentos aliados» (El País.com, 29.03.11). Poucos estarão conscientes de que a bandeira que ostentam é a da defunta monarquia líbia dos tempos em que o país se curvava sob o diktat forâneo e os EUA e a Inglaterra aí disponham de bases militares. Mas que importa isso quando se trata de salvar civis?
Rasmussen, o secretário-geral de turno da NATO só pensa em salvar civis.
A NATO, que finalmente tomou de corpo inteiro as rédeas da operação Odisseia Amanhecer, amarradas as convulsões internas sob o véu da concertação, acaba de estrear nos céus (e, quiçá, já na terra) da Líbia o novíssimo conceito estratégico aprovado há cinco meses na Cimeira de Lisboa. Quando se trata de salvar civis e outras matérias afins, o background da Aliança militar imperialista é invejável. A Jugoslávia ou as guerras em curso no Iraque e Afeganistão, com todo o seu rotineiro caudal de atrocidades, aí estão para persuadir os mais renitentes em crer no zelo humanitário do imperialismo.
Perigoso sinal dos tempos, a inconsistência de toda esta operação é confrangedora.
País rico em reservas de petróleo, gás e água doce, a Líbia enfrenta o espectro da divisão e somalização. Ao intervir no país africano em que a vinculação tribal permanece poderosa, o imperialismo tenta alcançar em semanas objectivos que na Jugoslávia exigiram anos.
A contra-ofensiva da reacção árabe, desde sempre apoiada pelas grandes potências capitalistas, está em pleno desenvolvimento. Mais além da exigência fundamental em aplacar os genuínos movimentos de revolta popular, o caos e a vaga desagregadora que se instala em vastas áreas constituem o reverso da moeda da crescente centralização capitalista e da tentativa de imposição de uma nova ordem mundial hegemónica que avança contra o tempo.
Ao compasso da mais grave crise sistémica o imperialismo clama por guerra. Será que Obama vai receber um novo Nobel da Paz?
O importante é saber que sob estes ventos a Humanidade navega rumo à catástrofe. Há que evitá-lo.
* Luís Carapinha é analista de política internacional.
Este artigo foi publicado no “Avante!” nº1948 de 31.03.1
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